O SABOR DE UMA PAIXÃO


© Mario Persona

— Seu filho admira o que você faz? — lancei a pergunta à queima-

roupa a um gerente de produção, enquanto caminhávamos pela fábrica

que ele supervisionava. Ele parou, olhou para mim e seu rosto

iluminou-se com um sorriso.

— Muito! — foi sua resposta entusiasmada.

Estávamos na área de produção de uma indústria de capacetes. Um

pouco antes passávamos pelo show-room — capacetes de todas as

cores diante de grandes pôsteres de motocicletas de corrida. Um

cenário que faria qualquer garoto sonhar.

Minhas perguntas não pararam ali. Queria saber mais das impressões

de seu filho. Pouco a pouco aquele gerente contente passou a jorrar

seus valores, os mesmos que tornavam seu trabalho tão importante.

Na visão de seu filho — e em sua visão também — ele ajudava a

salvar vidas nas ruas e a conquistar prêmios nas competições.

Depois de cada turno na fábrica, podia ir para casa de cabeça

erguida com a missão cumprida para subir o lugar número um no

podium da admiração do filho.

Antigamente as empresas acreditavam que tecnologia era suficiente

para garantir um diferencial. Essa época passou. Tecnologia pode

ser criada, adquirida ou até copiada e qualquer diferencial

tecnológico acaba se transformando em commodity com o tempo. O que

faz a diferença são as pessoas, que trabalham e produzem para

encantar pessoas. Afinal, era Ayrton Senna quem ganhava as

corridas, não o seu carro. Construir uma réplica de seu carro é

possível. Clonar um campeão não.

Quem percebeu a importância que gente tem nas empresas correu

definir uma visão, missão e valores que levassem em conta as

pessoas do lado de lá do balcão — os clientes. Infelizmente a

maioria das empresas não foi além da criação de frases bonitas para

enfeitar a enfeitar as paredes do edifício e até o sistema de som

ambiente, frases feitas que pouco ou nada tinham de realidade

interna. Será que as pessoas que todos os dias passam em frente a

essas frases bonitas realmente incorporam isso em seu dia-a-dia?

Nem todas.

Será que é a empresa que determina os valores que as pessoas que

nela trabalham devem ter, ou são as pessoas que definem a

personalidade e caráter de uma empresa? A resposta é evidente. Uma

empresa — sua marca, seus produtos e serviços — é o resultado

direto das pessoas que a criaram e que todos os dias a transformam

em realidade. Uma estratégia de marketing restrita aos 4P’s —

Produto, Preço, Promoção e Praça — será quadrúpede se não

considerar, em primeiro lugar, gente que anda com os dois pés no

chão e os olhos no infinito.

Todavia há empresas que muito bem sucedidas em seus esforços, não

por criarem um quadro bonito contendo uma lista de valores, mas por

terem conseguido extrair de suas equipes seus valores essenciais,

assim como se extrai a essência das rosas. Foram buscar nas pessoas

o que realmente fazia a diferença na marca que essas pessoas

levavam. Perguntaram de suas paixões, de seus apreços, de suas

realizações; quiseram saber o quê, em seu trabalho, era motivo de

admiração para seus filhos. E conseguiram.

Conversei com uma garota que trabalhou durante meses numa

indústria de biscoitos. Antes de trabalhar lá ela adorava

biscoitos, mas o convívio diário com os diferentes cheiros e

sabores acabou enjoando seu paladar. Hoje ela não trabalha mais lá

e nem quer ouvir falar em biscoitos. Fiquei intrigado. Será que

isso acontece com qualquer pessoa? Alguém apaixonado por carros

perderia seu gosto pela paixão após trabalhar na indústria

automobilística? A resposta eu vi na TV. Na tela o repórter

entrevistava um jovem trabalhando na produção de uma fábrica de

bombons.

— Já enjoou de tantos bombons? — perguntou o repórter esperando

uma resposta afirmativa.

— De maneira nenhuma! — exclamou o rapaz, como se a pergunta

fosse absurda. — É impossível não gostar deste bombom! Tem o

recheado com morango, o recheado com baunilha…

E assim continuou ele, falando para milhares de telespectadores

com os olhos brilhantes daquela satisfação que só pode nascer da

paixão. Senti até vontade. Ali estava alguém que acrescentava sabor

à marca que representava. O repórter nem precisava perguntar onde

estava o quadro com a visão, a missão e valores daquela empresa.

Estava bem ali, na sua frente.

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