O outro lado da Internet 1


A Internet possibilitou o contato com culturas diferentes e permitiu a expressão das minorias. Com o crescimento do número de usuários a vida online se torna a cada dia mais real e medíocre, a exemplo do momento em que vivemos: integração, consumo e baixa criatividade.

Apesar disso, poucas críticas são feitas à Internet fora do âmbito dos crimes digitais. O Estadão no início deste mês trouxe uma entrevista aonde são observados problemas decorrentes da interatividade e do conteúdo gerado por qualquer pessoa:

Claro, a internet trouxe cenários inevitáveis. Seu valor dominante é a conveniência. E a vida contemporânea, por ter se complicado, depende em grande parte da conveniência. Por isso eu e você adoramos a internet. Mas a conveniência, por si só, pode ser problemática. Se você levantar e sair da sala, posso achar conveniente tirar o dinheiro de sua carteira. Pode ser conveniente trair, roubar mentir ou matar. A internet facilitou muita coisa, mas não necessariamente o que deva ser conveniente. O que se vê na internet é algo novo. Não é cultura de massa no sentido de que é produzida para a massa por um número reduzido de agentes. É cultura produzida pela massa. Este é, a meu ver, o verdadeiro aparecimento da cultura da massa, pela primeira vez. Na cultura, chegamos à ditadura do proletariado que Marx queria ver na economia e felizmente não aconteceu. As vozes mais irresponsáveis, mais barulhentas e agressivas estão erodindo a autoridade do jornalismo tradicional. Quando todos têm o mesmo direito de falar, acaba a discordância. É o igualitarismo antidemocrático. Vivemos um clima de hostilidade ao mérito e ao talento que destaca certas pessoas. Acesso não tem nada a ver com democracia, é um grito de guerra do consumidor. Mas quem fala sobre isto é acusado de elitista.

Lee Siegel(1)

Se todos em um grupo começam a falar ao mesmo tempo ninguém se escuta e essa é a tendência na internet com o crescimento do conteúdo gerado pelo usuário, ainda pior é o destaque que piadas grosseiras e críticas visando derrubar as pessoas que se destacam na comunidade se propagam.

O espírito de grupo, ou zona de conforto força as pessoas, inconscientemente, a minimizar, ridicularizar e excluir do grupo aqueles que tendem a se destacar e o anonimato possibilitado pela Internet colabora nesse trabalho.

Eu tenho um filho de 1 ano e meio. Quando ele nasceu, minha mulher e eu ficamos acessando todo tipo de site médico associado a hospitais respeitados, queríamos nos tranqüilizar sobre cada novo momento. Esse tipo de recurso traz muito alívio. Mas a internet não dá refresco neste país, envia informação sem parar, 24 horas por dia. As histórias importantes se perdem, as questões importantes são relativizadas, tudo se confunde. Eu não preciso saber que alguém levou um tiro num estacionamento no Arizona. Mas eles vão me empurrar essa história e os psicólogos que aparecem e os comentários dos sociólogos e das testemunhas do crime – a coisa parece interminável até o momento em que salta para o próximo assunto – alguém fabricou uma camiseta no Texas que virou um sucesso no mundo todo! E não acaba nunca. É a praga da popularidade. A internet substituiu a cultura popular pela cultura da popularidade. O principal critério de sucesso na internet é popularidade. A cultura popular costumava atrair as pessoas para o que elas gostavam. A internet atrai as pessoas para o que os outros gostam. Então, na home page dos jornais americanos, agora você tem as listas “mais populares, mais enviados por e-mail, mais mencionados em blogs”. É patético. E o que acontece com a reportagem sobre uma mulher negra idosa em Chicago, despejada de casa no meio do inverno? É claro que não vai ser popular nem sexy. Você vai ter que ler sobre a Britney Spears ou a Paris Hilton, e esse critério é devastador.

Lee Siegel(1)

A cultura da popularidade é o fenômeno atual da Internet, assunto que até os Simpsons já abordaram. Popularidade não está relacionada com a rica cultura popular, é mais próxima do marketing, da cultura do consumo (usa e depois joga-se fora).

Ao nos pautar-mos pelos itens populares acabamos nos desprendendo das grandes questões, dos detalhes e nos prendendo à pequenas notícias relacionadas ao sensacionalismo, sem qualquer análise mais profunda ou de acompanhamento das conseqüências.

A internet está criando uma estranha geração de jovens de meia-idade, que são padronizados, cautelosos e calculistas. Enquanto isso, os mais velhos, que não cresceram com esse meio, ainda amam os livros, o individualismo dos livros. Eles têm maior tolerância pelos erros. Maior tolerância pelas paixões e as idiossincrasias que são flagradas e ridicularizadas com tanta rapidez na internet. Essa tecnologia é quantificadora, motivada por comercialismo e está roubando a juventude dos jovens. Os defensores da internet não querem admitir isto, mas 80%, talvez 90% do tráfego da internet seja pornografia.

Lee Siegel(1)

Não é somente da Internet a responsabilidade pelas gerações com criatividade cada vez menor, o pior é o intelecto congelado, insensível, acrítico. Não há emoção, transparece a falta de sentido, ou objetivo para viver. São pessoas resignadas, sem vida.

Saiba +:

(1) Entrevista de Lee Siegel à Lucia Guimarões publicada no O Estado de S. Paulo em 02/03/2008, disponível em: A ansiedade de exposição;