Camões, go home!


por Mario Persona(1)

Esta pode ser a última vez que falo com você. Por que? Porque vai cair meu link. Nem Internet eu vou poder usar e ninguém mais vai ter endereço de e-mail. Eu não vou mandar e você não vai receber. Depois que o estrangeirismo virar contravenção, nem trabalhar eu vou poder.

E como poderia trabalhar com marketing? Meus clientes jamais iriam entender uma propaganda politicamente correta que anunciasse: “Fazemos planejamento de mercancia”. Por falar nisso, vou correr fazer backup dos serviços que já fiz, porque daqui a alguns dias o backup não vai mais funcionar.

O projeto anti-estrangeirismo volta e meia volta, e agora foi até aprovado. O autor é o deputado Aldo Rebelo do PCdoB, a quem eu gostaria de perguntar se “Partido Comunista” é mesmo do Brasil. Sabe o que vai acontecer? Nadinha. As pessoas vão continuar dizendo “Ok” porque é mais fácil do que dizer “Está bem”.

Se os primeiros habitantes desta terra tivessem se protegido dos estrangeirismos eu estaria escrevendo em tupi, macro-jê ou num dialeto qualquer desses troncos lingüísticos nativos. Nada do português yankee que aportou aqui há meros 500 anos. Seríamos obrigados a devolver a língua de Camões, a qual Pero Vaz de Caminha usou para selar sua famosa carta.

Não existe idioma original. Tirando as línguas que surgiram na Convenção de Babel, todo idioma é uma colcha de retalhos emprestados, cortados, tingidos e costurados. O folklore que nossos avós falaram virou folclore, e nossos netos vão aprender na escola a conjugar os verbos deletar e zipar. Pode escrever, é assim que funciona. O estrangeirismo de hoje será o português de amanhã.

Idiomas são dinâmicos, impossíveis de serem mantidos intactos numa redoma. A verdade é que a palavra ou expressão que comunicar melhor uma idéia vai prevalecer, seja ela em português ou sânscrito. Não sei onde ouvi que existe uma lei que diz que a tendência dos sistemas complexos é ficarem mais simples. Não é a lei do Aldo Rebelo, é outra. Por isso hoje falamos “você” em lugar de “vossa mercê”.

Quem traduz sabe que o inglês é um idioma mais curto. Uma tradução para o português ganha uns 10% a mais de letrinhas, e é por isso que as palavras inglesas mais enxutas acabam emplacando. E nem elas a gente perdoa. Quando o goal inglês desembarcou aqui nós o transformamos no gol português.

Se você for um náufrago numa ilha deserta e tiver cocos para escrever apenas três letras na praia, o que vai escrever, SOC ou SOS? Não, “SOS” não é abreviatura de “Sou O Sobrevivente”, mas de “Save Our Souls”. O idioma não é um fim em si mesmo, mas uma ferramenta à disposição da comunicação. Peças conservadas em museus são belas, mas nada práticas.

Mas, se mesmo assim a tal lei pegar, o jeito é correr tirar xerox de todos os seus documentos. Depois o garoto da copiadora não vai entender se você pedir cópias reprográficas. É provável ainda que as cópias voltem a ser à mão, pois as copiadoras eletrônicas deixarão de funcionar quando proibirem o chip e o software.

Sorte de quem acabou de fazer um leasing, porque não vai precisar mais pagar, e o call center não vai ligar cobrando porque também não vai existir. Azar de quem recebe hollerith ou comprou um fax, porque não vai funcionar. Máquinas fotográficas? De agora em diante virão sem zoom e sem flash, mas no camelô talvez encontre alguma feita no Paraguai já legalizada, com zum e fléche. Os computadores virão sem modem e vamos voltar a usar calça social. Nada de jeans.

Mas não pense que isso é implicação do governo só com a língua inglesa. Não é. Acabou a happy hour em restaurante de sushi. E nem pense em pizza como opção, porque não vai ter. Não me pergunte como as coisas vão acabar em Brasília. O bom é que agora a gente vai se livrar dos cantores de karaokê, mas também acabou o banho de ofurô.

Bem, pode ser que permitam aportuguesar as palavras, como já fizemos com o sanduíche. Mas não sei se quem gosta de rock vai trocar por roque, pop por pópi e hip-hop por ripirrópi. Ou se os saudosistas aceitarão traduzir big band para banda grande, fox-trot para trote de raposa e querer ouvir “Os Besouros” e “As Pedras Rolantes” em seu iPod. Xi! iPod pode? Talvez o reencontro do “Dirigível Conduzido” nem venha para o Brasil. Estão suspensos todos os shows.

As mulheres também serão grandes prejudicadas. Ficará difícil encontrar blush, rímmel, shampoo, ou laqué spray. E ninguém mais vai usar soutien ou bikini, nem vestir tailleur ou prêt-à-porter. As mais medrosas vão evitar o computador nacional com medo do rato, e aquela receita de strogonoff da sogra vai virar picadinho. Sem champignon, nem sobremesa com chantilly.

Os deputados que aprovaram a tal lei provavelmente não mediram suas conseqüências. Quem viaja a Brasília sabe que os vôos mais cheios são os que chegam lá nas terças e os que saem de lá nas quintas. Se já leva esse tempão para visitarem suas bases, agora as excelências vão demorar ainda mais, pois serão obrigadas a ir de carro. Ninguém vai conseguir fazer check-in.

(1) Mario Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em seus livros e suas palestras. Veja em www.mariopersona.com.br.

fonte: http://www.mariopersona.com.br/cafe/archives/00000213.htm