Fairplace: comunidade de empréstimos


Foto: stock.xchng

Há dois anos escrevi sobre a Zopa, um site europeu de intermediação de empréstimos entre pessoas físicas. Cogitei a possibilidade de serviços semelhantes chegarem ao Brasil e identifiquei que a maior dificuldade seria a taxa de juros, pois nossa legislação impede a fixação de juros maiores de 1%, exceto no caso de instituições financeiras.

A Época Negócios fez uma reportagem sobre a criação de um site semelhante no Brasil, o Fairplace. A empresa foi criada por Eldes Mattiuzzo, ex-executivo do Unibanco e está incubada no Cietec da USP. O sistema é simples:

Para tentar conseguir um empréstimo, o interessado deve escrever um perfil, informar quanto deseja, o motivo do pedido e a taxa de juros que se dispõe a pagar. Além disso, o site pesquisa seu histórico de crédito e dá a ele uma classificação, numa escala de bons ou maus pagadores – os melhores, de baixo risco de calote, deverão pagar cerca de 1,2% de juros ao mês, e os piores, de alto risco, cerca de 8%, mas isso estará aberto a negociação. O potencial emprestador lê os diversos pedidos de empréstimo e escolhe aqueles cujo motivo, remuneração e nível de risco lhe agradem. As duas partes podem negociar as condições antes de fechar o acordo, e ambas pagam um porcentual ao site pelo serviço

O que definirá o acordo é a lei de oferta e procura. Quem pede um empréstimo mas tem um histórico de pagamentos ruim (de alto risco), ou oferece juros muito baixos, ou quer destinar o dinheiro a um motivo desinteressante provavelmente não conseguirá muitos lances em seu leilão. Do outro lado da mesa de negociação, quem quiser emprestar dinheiro exigindo juros altos demais, com risco baixíssimo e para fins muito específicos talvez não realize nenhum negócio, porque outros emprestarão em condições mais amigáveis. (Época Negócios)

O valor a ser solicitado varia de R$ 1.000,00 há 10.000,00(2). A Fairplace não é uma instituição financeira, a página de ajuda deixa claro que a empresa não é regulada pelo Banco Central ou pela CVM. Os empréstimos seguem as regras do mútuo do Código Civil.

Taxas de administração(1)

As taxas só são cobradas quando o negócio é efetivado. De quem empresta são cobrados 2% sobre cada parcela recebida. Para quem toma o empréstimo:

  • comissão: de 5 a 8% ao ano;
  • cadastro: R$ 50,00;
  • tarifa de débito da parcela: R$ 1,99 a cada débito em conta corrente;
  • empréstimos em atraso até 14 dias:
    • multa de 2% sobre valor da parcela em atraso;
    • juros de 1% a.m. sobre valor da parcela;
    • “Tarifas de Débito: serão feitas duas tentativas adicionais de débito em conta corrente, em 7 e em 15 dias, e para cada tentativa será cobrada taxa de R$ 7,00”.
  • empréstimos em atraso até 60 dias:
    • “é cobrado um adicional de 10% sobre o valor da parcela a título de remuneração da empresa de cobrança”.
  • empréstimos em atraso acima de 61 dias:
    • “após 61 dias de vencido, contrato é rescindido e enviado para cobrança judicial. É cobrada multa de 10% SOBRE SALDO DEVEDOR adicionada ao valor devido”.
    • Sobre o valor devido será cobrada tarifa de remuneração de Empresa de Cobrança na seguinte escala:
      • 61 a 120 dias de atraso 15% sobre valor devedor;
      • 121 a180 dias de atraso 20% sobre valor devedor;
      • Acima de 181 dias de atraso 25% sobre valor devedor;

Taxas de empréstimo

Aqui está a grande questão. O próprio Fairplace se preocupou com a questão e responde sobre a legalidade e a questão da agiotagem:

Fonte (3)

Fonte: (4)

A explicação é clara: o sistema é legal, pois a taxa dos empréstimos é de 1% ao mês. Há certa discussão se realmente o limite legal é de 12% ao ano, ou deve ser a taxa SELIC. Independente disso, não fica claro a diferença entre o contrato com juros de 1% e o negociado, que provavelmente será maior. As negociações disponíveis no site no final de semana passado (03/04/2010), estavam com juros por volta de 2%.

Fonte: (5)

Nas respostas acima, o site informa que a taxa excedente não é cobrada diretamente do cliente tomador do empréstimo, a Fairplace remunerará o investidor com valores próprios, vindos das taxas administrativas, ou seja, o tomador ainda estará pagando juros maiores, mas de forma indireta.

Conclusão

A idéia é muito boa e precisamos de alternativas ao sistema bancário, pois os juros cobrados nos empréstimos são muito altos, salvo raras exceções. Juros de empréstimos para pessoas físicas costumam ser ainda mais altos. Do ponto de vista do investidor também é interessante, pois além de conseguir um retorno melhor do que muitas aplicações, há o caráter social, de ajudar uma pessoa a conquistar um sonho.

É importante o investidor se precaver de calotes, dividindo o investimento entre vários empréstimos diferentes, a própria Fairplace recomenda esse procedimento.

O tomador do empréstimo precisa tomar cuidado com a inadimplência, os valores cobrados são muito altos e podem fazer a dívida ficar ainda mais difícil de pagar. Por outro lado, cobrar valores altos pela inadimplência contribui para inibi-la, ou pelo menos não incentiva-la.

Me preocupa a legalidade de alguns procedimentos, como:

  1. A cobrança de 1,99 a cada débito em conta corrente. Isso me remete à ilegalidade da cobrança pela emissão de boleto bancário;
  2. Os juros convencionados pelas partes. Até que ponto são legais? Essa cobrança indireta, em virtude da fixação de limite de 1% a.m, não irá gerar uma contestação judicial?
  3. As tarifas de remuneração da empresa de cobrança em razão do atraso no pagamento, são valores muito expressivos, e extrapolam os limites de cobrança dos juros de mora. Será legal esse procedimento, ou é uma forma de ocultar juros moratórios maiores que os limites legais?

A Fairplace mal começou e alguns empréstimos já foram fechados, os que consultei tinham mais de 20 investidores, interessante, pois reduz os riscos. Espero que a iniciativa dê certo, tem potencial para se tornar uma fonte importante de microcrédito, semelhante à uma ONG.

Saiba +

  1. Fairplace: Taxas e tarifas;
  2. Fairplace: Qual o valor mínimo e máximo de empréstimo que posso pedir?
  3. Fairplace: É legal?
  4. Fairplace: Emprestar dinheiro para pessoas é agiotagem?
  5. Fairplace: Posso emprestar a juros maiores que 1% ao mês?