Somos vítimas da obsolescência programada? 1


 Lampada

Já reparou como os produtos que compramos duram cada vez menos? A maior parte das pessoas que conheço consideram normal trocar de aparelho celular anualmente. Será normal mesmo?

Por traz dessa durabilidade reduzida está o conceito de obsolescência programada, quando o produto é criado para ter uma vida útil reduzida. Há dois tipos de obsolescência:

  • Falha do produto: após determinado tempo de uso, o equipamento deixa de funcionar;
  • Lançamento de novas versões: novidades levam o consumidor a substituir o produto por um mais moderno.

A liberdade de escolha está em jogo. Enquanto no primeiro modelo o consumidor é obrigado a substituir o produto, no segundo o consumidor é incentivado. O melhor modelo é o que traz inovações ao mercado, a substituição por algo melhor, no momento em que o consumidor optar.

A conspiração da Lâmpada

O documentário A conspiração da lâmpada elétrica e a obsolescência programada, explica a mudança de foco da indústria da produção de bens duráveis para o da substituição periódica dos produtos. Está disponível no YouTube com legendas em português e no Vimeo, sem legendas:

Mais informações sobre o documentário no IMDb. Sobre o problema do lixo eletrônico em Gana, vale a pena ler este relatório (em inglês).

Modelos sustentáveis de consumo

A obsolescência é um mal a ser combatido, pois gera um consumismo desenfreado e danos ao meio ambiente que não se restringem ao crescimento do volume de lixo produzido.

Agora, voltar ao passado,  como o crítico a obsolescência diz expressamente no vídeo acima também não é aceitável, assim como não o é a teoria do decrescimento. Temos que lutar para acabar com a miséria, não com o empreendedorismo ou com o lucro.

A solução é buscar produtos a cada dia mais sustentáveis, tanto utilizando insumos que não prejudiquem o ambiente quanto obrigando as indústrias a coletar e reciclar os produtos obsoletos. Nesse sentido, familiarize-se com o cradle to cradle design.

Posicionamento da justiça brasileira

A obsolescência programada é limitada pela legislação brasileira, consolidada por diversas decisões judiciais. A responsabilidade do fornecedor pelo produto não se restringe ao período de garantia, seja ele por força da lei ou por iniciativa do fabricante.

Existe a figura do vício oculto, defeito que surge durante a vida útil do produto. O problema está na determinação da vida útil, período que alguns fornecedores reduzem de forma proposital.

O STJ no fim de 2012 julgou um processo sobre defeito após o período de garantia, responsabilizando o fornecedor por defeito que surgiu durante a vida útil do produto:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280⁄STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC.

(…)

Lampada e folha

4. O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto – a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal. O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto. Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício.

5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação,

mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia.

6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição 

7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então.

8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem.

9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo.

10. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido (STJ REsp 984106/SP.  4ª Turma do STJ. Pub. dje 20/11/2012 Rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Referência

      1. Foto: (lâmpadas): photl.com
      2. Foto: (lâmpada e folha): photl.com